quarta-feira, 21 de junho de 2023

 DECISÃO


Quero o saber de bom grado,

não por alheio reclame.

Louvo a Deus por ter criado

este mundo, tolo e infame.


Sigo em minha torta via,

mas sem temer nem um pouco -

porque o mais sábio a inicia,

embora a termine - o louco.


—Friedrich Wilhelm Nietzsche. “À Melancolia: Uma Antologia Poética”, (1ª Edição – Porto Alegre: 𝐒𝐩𝐥𝐞𝐞𝐧 𝐄𝐝𝐢𝐭𝐨𝐫𝐚; [2020]) p.83.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Minúsculo

 

No mar, tanta tormenta e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida;

Na terra, tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade aborrecida;

 

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segurança a curta vida,

Que não se arme e se indigne o céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?

 

Luiz Vaz de camões

 

sábado, 28 de janeiro de 2023

Tempo 3

 

Todos os vossos anos estão conjuntamente parados, poque estão fixos, nem os anos que chegam expulsam os que vão, porque estes não passam… O vosso hoje é a eternidade.

Santo Agostinho

Tempo 2

 

Não calcules a eternidade

Como anos-luz de distância

Um passo além

Daquela linha chamada tempo

A eternidade é chegada.


Angelus Silesius

TEMPO

 

O tempo é criado por ti,

Seu relógio soa em tua mente.

Tão logo paras de pensar

Queda-se o tempo, jacente.


Angelus Silesius

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

EPOKHÉ

 Depois de algum tempo volto a publicar textos aleatórios sobre os variados assuntos que permeiam a nossa sociedade. O tema de hoje é uma palavra que aprendi hoje: epokhé,  é a busca de um estado de repouso mental em que nada é afirmado e nada é negado, exploramos então o quanto não sabemos para melhor definir a nossa imperturbabilidade. Achei fascinante a palavra e gostaria de compartilhar.

domingo, 8 de novembro de 2015

TORTURA

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! ...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto! !

Florbela Espanca

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

XADREZ & CARNE DE FRANGO



Jamais pense que a vida não pode lhe ensinar algo novo, não importa a idade sempre há um momento para se surpreender com algo inusitado totalmente fora do contexto, tal qual se faz com uma obra de arte.  O fascinante da vida é que ela não é linear, não possui simetria muito menos logica, ou o que pensamos ser essa coisa obscena. Eu acreditava em várias coisas, porém com o passar dos dias verifico que minhas crenças só fazem sentido no âmbito de minha socialização, ou seja, qualquer idiota que viveu o que vivi chegaria às mesmas conclusões e, portanto, seria o que sou. Acreditava eu que teria visto de tudo, todavia fora surpreendido, pego por uma cena no mínimo inusitada. Estava eu numa partida de xadrez blitz, na praça de alimentação do junto a um bando de desocupados, e na mesa ao lado havia um amigo vindo de outras paragens da espaçonave terra, uma região fria e desolada com problemas sociais bastante complicados. Adveio este meu amigo com saco provindo do hipermercado e dentro do mesmo havia coxas cruas de frango certamente da parte refrigerada, posto a umidade que ficou na mesa devido a condensação. Abriu o saco pegou uma coxa semicongelada de frango e mordeu-a com vontade e fome existencial comendo inclusive os ossos da penosa não desperdiçando nada. As pessoas ficaram lívidas, consternadas, chocadas com a performance completamente fora do contexto daquela coreografia. O meu amigo o fez como alguém que sempre faz esse tipo de coisa, ou seja, de forma normal, como se faria em casa no aconchego do lar. Houve reclamações pessoas ficaram irritadas e logo expulsaram meu amigo do local, primeiro impedindo-o de continuar sua partida. Não sofreu linchamento, mas houve propostas para tal. É interessante notar como a diferença pode afetar a socialização, ser diferente é profundamente perturbador, é perigoso. Esse meu amigo comprou, pagou, cumpriu todos os passos exigidos pela sociedade esqueceu-se de assar, fritar, ou cozinhar o cadáver da ave; antes preferiu consumi-la em natura. Acho que não gostamos de pensar que existem lugares na nossa nave onde vida é tão difícil que pessoas comem sushi do que estiver disponível sem nenhum tempero ou qualquer tipo de higiene, pois não há disponibilidade material para tais luxos. Esquecemo-nos o que somos e quando confrontados com nossa animalidade ficamos consternados. Novamente não acho que haja motivos para a celeuma que se instalou, todavia deveríamos discutir mais sobre o assunto. Por que ficamos tão chocados?  Pensando bem não existe lugar melhor para comer carne crua que em um disputado jogo de guerra como é o caso do xadrez.           
Cledemar

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Meus amigos

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
Autor: Oscar Wilde

Se importar

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Autor: Bertolt Brecht.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Princesa da Janela


Era toda nexo e ponderação
Sofria com a bolsa no Japão
Acreditada em coisas que não via
Refletia e sofria com os bichos do Greenpeace
Com quadrúpedes em listas tríplices
Com a arte que vendia tanta coisa junta tanta tolice
Mas era igual a todas elas se via "A princesa da janela"
Ela era igual a todo mundo, lá no fundo, lá no fundo
Ela queria um par pra toda vida
Gostava de andar sorrindo boba
Falava de um tempo que não vinha
Queria um amor pra vida toda
Giani Torres & Zeca Baleiro

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Tristeza Egoísta

-->Por algum motivo que desconheço
que este velho coração ainda bate.

Por alguma razão que ignoro
Que sinto calor
E abro os olhos
E vejo entristecido as paredes do quarto.

Por alguma razão volto pra casa todos os dias
E torno a sair todos os dias
Em busca de não tédio.

E quando sorrio
É com olhos tristes
Que sei que não iriam me entender
Por isso nem digo.

Sei que seria demais pedir que entendessem.

Quando questiono meu ceticismo
É só por hábito.

E quando vejo alguém triste
Trato de fazer com que sorria
Para que não partilhe da minha tristeza.

Visto que sou egoísta em minha tristeza.

Luciano  Alonso em 20/04/2005.

O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heroicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)


Carlos Drummond de Andrade

Não basta fugir...

-->
NÃO BASTA FUGIR.
É PRECISO FUGIR NO BOM SENTIDO.
FUGIR DO TÉDIO, DA FOME, DA GUERRA!...
NÃO SE DEVE FUGIR EXCENTRICAMENTE.
É PRECISO FUGIR CONCENTRICAMENTE.
FUGIR O MUNDO, PARA PODER REINVENTÁ-LO UM DIA.
QUEM SABE, MAIOR, MAIS VERDADEIRO, MAIS ESSENCIAL, MAIS JUSTO.
 Charles Ferdinand Ramuz

Memorias




Um dia, tudo será memória.
As pessoas que andam naquela rua, as gentis, as sábias, as más, todas, todas serão memória, o mendigo que passa sem o cão, o ginasta, a mãe, o bobo, o cético, a turista, deus, inclusive, regendo o fim das coisas memoráveis, também será memória.
Deus e os pardais.
Os grandes esqueletos do museu britânico e todo sofrimento serão memória.
Eu, sentado aqui, serei só esses versos que dizem haver um eu sentado aqui.
Não sei quem é o autor, esqueci, mas é um texto bom.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mudanças



Que existe mais, senão afirmar a multiplicidade do real?
A igual probabilidade dos eventos impossíveis?
A eterna troca de tudo em tudo?
A única realidade absoluta?
Seres se traduzem.
Tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma.
Tudo irremediavelmente metamorfose!

Paulo Leminski